18 de ago. de 2010


18/08/2010 10h00
Jogador e artista: campeão de 1922, Rebolo desenhou atual escudo
Francisco Rebolo Gonsales jogou no segundo quadro do Corinthians. Reconhecido artista plástico, foi convidado a estilizar distintivo
Por Diego Ribeiro
Se não fosse por um jogador artista, o Corinthians não teria o escudo que ostenta hoje em sua camisa. O descendente de espanhois Francisco Rebolo Gonsales pode ser considerado um dos primeiros ídolos corintianos mesmo sem nunca ter jogado no time principal. Futebolista em sua juventude, Rebolo participou do segundo quadro do clube - espécie de time reserva - entre 1922 e 27, e anos mais tarde foi o responsável por desenhar o atual distintivo corintiano, com os dois remos, a corda e a âncora em volta da parte circular.


Rebolo quando jogava no Ypiranga, no fim dos
anos 20 (Foto: Arquivo Pessoal/Família Rebollo)Nascido no Brasil, em 1902, Rebolo sempre teve relações estreitas com a arte, que começaram ainda na infância. Com menos de 10 anos de idade, ele já era ajudante de pintor e fazia cuidadosos adornos nas paredes de casarões e salões do centro de São Paulo, principalmente em bairros como Mooca, Brás e Barra Funda.

Habilidoso com as mãos, ele também tinha talento com os pés. Aos 14 anos, começou a jogar entre os reservas do Argentinos, equipe da várzea paulistana. No entanto, sem saber, a paixão pelo Corinthians já era latente. Em depoimento de 1977, publicado no livro "Rebolo 100 anos", ele afirma que "quando fui jogar no Argentinos, eu já era corintiano, fui corintiano desde que conheci o time...".

Já em idade de jogar em times da Liga, ele ingressou no São Bento em 1917 e ficou lá até 22, ano em que, finalmente, conseguiu um lugar no clube de seu coração. Rebolo dizia ter parentes entre os fundadores do Timão, mas, à época do surgimento da equipe, em 1910, ele tinha apenas oito anos e guardou poucas memórias daqueles tempos.

Título da independência e escudo inovador

A chegada de Rebolo ao Corinthians foi obra do acaso. Ele foi fazer uma pintura em uma sala do clube, localizada na rua José Bonifácio, no centro de São Paulo. O local era um armazém e pertencia ao pai de Filó, atacante que fez sucesso no Timão e depois jogou no Lazio e na seleção italiana nos anos 30. Neco, o primeiro ídolo da história do Timão, foi o responsável pelo convite a Rebolo. Na época, ele atuava no São Bento.


Foto de título: Rebolo é o segundo sentado da esquerda para a direita, de terno claro (Foto: Reprodução)"Revoltado" com o fato de o artista ganhar dinheiro graças ao Corinthians, Neco disparou: "Você vem aqui tirar dinheiro nosso, como pintor do salão, e joga lá no São Bento?". Rebolo não pensou duas vezes e acertou a transferência.



O escudo de Rebolo, com âncora e remos
(Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)
No mesmo ano, o Timão foi campeão paulista - no centenário da independência do Brasil. Atuando pelo segundo quadro, o artista não chegou a jogar no time principal. Mesmo assim, aparece na foto da delegação que conquistou o título.

No começo dos anos 30, a equipe de remo do Corinthians começou a se destacar nos campeonatos da categoria. Como ele era artista já em ascensão e conhecido dentro do clube, foi convidado para Considera-se campeão do centenário da independência em 22 e aparece até na foto oficial do título.

Depois do Timão, Rebolo jogou por mais seis anos no Ypiranga, inclusive tendo enfrentado o time do coração em um jogo: no dia 8 de julho de 1928, ele esteve em campo na derrota por 5 a 1 para o Corinthians. Atacante, ele não marcou nesse jogo.

Futebol", quadro de Rebolo que era uma crítica
social ao esporte elitizado (Foto: Reprodução)
Como artista, retrato da São Paulo da época


"Futebol", quadro de Rebolo que era uma crítica
social ao esporte elitizado (Foto: Reprodução)Após encerrar a carreira, Rebolo se dedicou integralmente às artes plásticas, sem nunca deixar de acompanhar o futebol. Hoje, há cerca de 700 obras documentadas, mas estima-se que ele tenha pintado pelo menos 3 mil telas.

Uma delas, denominada "Futebol", é uma crítica social ao esporte na época. Datada de 1936, a obra mostra ele próprio jogando com um colega negro. Os atletas de cor branca tinham preferência em relação aos outros, e Rebolo pretendia diminuir esse preconceito.

Fora do esporte, Rebolo tinha como principal tema a São Paulo dos anos 30, 40 e 50. Em pinturas como "Praça Clóvis", ele mostra o desenvolvimento pelo qual a cidade passava na época, com a construção dos primeiros prédios e expansão dos bairros periféricos.

Memória preservada e busto a caminho





Sergio, o neto, João, o bisneto, e Antônio, o genro,
ao lado de Rebolo (Foto: Arquivo Pessoal)Hoje, a família de Rebolo é responsável pela preservação da memória do artista. Além do neto Sérgio, cuidam do acervo a filha Lisbeth, professora da USP, e o genro Antônio Gonçalves, funcionário aposentado do Banco do Brasil. A família foi a responsável pela criação do Instituto Rebolo e a publicação do livro Rebolo 100 anos, em 2002, no centenário de nascimento do corintiano.

- Hoje, nas horas livres, sempre nos dedicamos a manter viva a memória dele. Temos contato com a atual diretoria do Corinthians e planejamos algumas coisas - explicou Sergio.

Uma das homenagens só depende de patrocínio para ser realizada: um busto dentro do Parque São Jorge, ao lado de craques como Neco, Baltazar e Luizinho. O clube confirmou que já liberou, mas a família ainda corre atrás de recursos para conseguir tirar o plano do papel.

Uma lembrança já existe no Pacaembu. Lá, o salão nobre foi batizado com o nome do artista e teve até cerimônia oficial. Boa forma de manter acesa a chama de um dos grandes colaboradores da história do Corinthians.